Era engraçado. Na verdade, era
assustador e engraçado. Parecia que eles se conheciam há dez anos mas, ao
mesmo tempo e paradoxalmente, parecia que há dez anos não se viam.
Ele se sentia como se estivesse
há dez anos esperando que ela aparecesse ali, na sua frente, com uma taça de
vinho na mão, para ouvir com cara compenetrada todas as suas histórias malucas,
seus projetos mirabolantes, suas mil e uma teorias sem sentido, suas análises
críticas amadoras e profissionais sobre músicas, poemas, bulas, tratados e
marcas de macarrão.
Era como se há dez anos ele
esperasse por ela sentada do seu lado contando seus planos, suas músicas
favoritas, suas viagens, suas histórias e suas teorias. Era como se aquela
risada espontânea estivesse há décadas esperando unicamente para surgir ali,
naquele rosto paradoxalmente familiar e desconhecido.
Era isso. Quando ele a via,
parecia que o tempo parava. E ele não sabia por onde começar! Era tanta coisa
pra contar, pra perguntar, pra rir, pra dividir. Era tanta dúvida! Não sabia
como conciliar beijos, abraços, e diálogos. Porque, afinal de contas, a
sensação era essa: há dez anos que ele acumulara abraços, beijos, promessas e
histórias sem sentido, diariamente, para contar – só pra ela. Mas ela nunca
apareceu... E aí, de repente, ela se materializa alí na sua frente, com aquele
riso bobo lindo na cara, e é hora de esvaziar o estoque, de limpar as
prateleiras! Mas haja tempo pra colocar tanto papo em dia!
Porque o restaurante sempre
fecha, o relógio sempre toca, o trabalho sempre chama. E aí fica aquele
sentimento de “espera aí! Falta só mais uma coisa!”, e a frase dita pela
metade. E os versos flutuando pelo ar enquanto ela se afasta do carro e entra
em casa...E a porta se fecha... E a saudade dá aqueles tapinhas no peito, de dentro pra fora, dizendo "Hey! Estou aqui!!"
“E se eu pudesse entrar na sua vida?” mas “e se um dia ela despencar
do céu”? Não é deliciosamente assustador de repente, e não mais que de repente,
ver-se a si mesmo como personagem de todas as suas músicas e poemas preferidos?
E o que dizer do grito sufocado,
do abraço interrompido... Hei! Mas como pode? Calma aí, falta terminar aquela
história!!!
“Será que é mentira?? Será que é
comédia?? Será que é divina?? Divina, divina...”
E de repente, ele se pegava
fazendo planos para os próximos 10 anos, ao lado de alguém que ele não conhecia
há nem 10 meses, mas que de alguma forma tinha 10 anos de história em comum com
ele, ainda que durante todo esse período suas vidas nunca houvessem de fato se
tocado. Eles existiram por 10 anos, paralelamente, vivendo a mesma vida em
comum, sonhando os mesmos sonhos, mas
sem que se cruzassem. Louco, não? Demais!
Por que ter medo se é tão
natural? Simples, meu caro. Porque é natural, mas é desconhecido. E o
desconhecido assusta, faz as pernas tremerem. A gente aguenta tudo, todas as
agruras e intempéries da vida, menos o desconhecido. O desconhecido é um
monstro de sete cabeças, que nunca deixa que saibamos se fará carinhos ou
torturas. E justamente por isso, você está aí, completamente embasbacado, sem
saber se pula de cabeça ou se coloca só a ponta do dedão do pé na água fria.
Mas então... Vamos para a
Patagônia? O Monte Roraima? Lyon? Guarulhos? Cidade Dutra? Três Corações?
Grajaú? Mercadão? Vamos dormir até acordar? Vamos abraçar até sufocar?